- História do papel
- As florestas em Portugal - a melhor árvore
- Produção de pasta
- Produção de papel
- Transformação e expedição
- Bioenergia e a circularidade do setor
História do papel
Desde os primórdios da humanidade que o Homem regista as suas memórias através da escrita ou desenho a partir dos mais diferentes materiais: na Índia usavam-se folhas de palmeiras; na China, os livros eram feitos a partir de conchas e carapaças de tartarugas e, os esquimós, usavam ossos de baleia e dentes de focas; ou até mesmo pele animal (ovelha, cabra ou vaca).
O chinês Tsai Lun é considerado o inventor do papel, no ano de 105 d.C., através da produção de uma pasta de fibras de casca de amoreira, restos de roupas e cânhamo que depois de seca ao sol transformava-se numa folha de papel. E foi precisamente este processo que deu origem ao princípio básico utilizado até aos dias de hoje.
O fabrico de papel foi sendo aperfeiçoado e espalhou-se rapidamente pela Ásia Central e a Índia. Os árabes, na sua expansão para o Oriente, tomaram contacto com a produção deste novo material e instalaram fábricas de papel em várias cidades, na altura utilizando quase exclusivamente tecidos. Na Europa, depois das primeiras produções em Itália e na Alemanha, foi-se generalizando o fabrico e apurando as técnicas, também tendo o tecido como base.
Só em 1719, o entomologista francês René Réaumur, sugeriu o uso da madeira em substituição dos tecidos, depois de observar o modo como as vespas mastigavam a madeira e utilizavam a pasta resultante para a construção dos ninhos.
Ainda assim, apenas em 1850 foi desenvolvida a primeira máquina de moer madeira e extrair as suas fibras para a produção de pasta de celulose.
Portugal, foi um dos precursores mundiais na produção de papel como conhecemos hoje, isto é, produzido a partir de madeira.As florestas em Portugal - a melhor árvore
Não existe um único português que não conheça o eucalipto em Portugal. O eucalipto chegou à Europa em 1770, a partir de exemplares recolhidos na costa australiana nas famosas viagens do explorador inglês James Cook. O eucalipto, foi a árvore da moda no século XIX e muitos jardins faziam questão de ter as espécies recentemente descobertas, como D. Fernando II que plantou alguns eucaliptos em Sintra, por ocasião do seu casamento com a Condessa d’Edla, em 1869. Longe de se imaginar a fácil adaptação de algumas espécies desta árvore ao nosso clima, e o seu consequente crescimento, rapidamente a sua madeira começou também a ser usada como lenha e até em carpintaria.
A elevada massa volúmica, opacidade, flexibilidade e elasticidade, a fibra curta de E. globulus tem melhor qualidade para a produção de vários segmentos papeleiros, desde o de impressão e escrita (fine papers) até ao uso doméstico e sanitário (tissue). Em termos produtivos, é também muito mais eficiente: para produzir a mesma quantidade de pasta de papel, o E. globulus necessita apenas de 70% da madeira, exigindo menor consumo de produtos químicos no cozimento e no branqueamento, em comparação com outras árvores, como pinho ou bétula. Juntando as condições de clima e solo nacional, Portugal tem uma vantagem competitiva na produção de Eucalyptus globulus, que serve de matéria-prima para o melhor papel do mundo.
Produção da pasta
Como vimos, a principal fonte de celulose utilizada pela indústria de pasta e papel é a madeira, e em Portugal, o E. globulus. Em florestas plantadas e geridas com o propósito de produção de pasta de celulose, o processo inicia-se desde logo pela investigação florestal, nomeadamente através de melhoramento genético para garantir uma melhor seleção de plantas, com a maior resistência às variações climáticas, pragas e doenças, e as melhores propriedades. Passados cerca de 12 anos, ciclo de crescimento do eucalipto, a madeira está pronta para o corte, sendo transportada diretamente do povoamento para a fábrica.
Na fábrica, a madeira passa por um processo de preparação, onde a rolaria é descascada e transformada, no destroçador, em pequenos pedaços com dimensões controladas, que se designam por aparas, estilhas ou cavacas. Depois de padronizadas, as aparas seguem para os digestores de cozimento.
Nessa etapa, as aparas são introduzidas nos digestores, juntamente com reagentes químicos de cozimento – processo kraft. Em média, um cozimento costuma durar aproximadamente 120 minutos a uma temperatura de 170°C e é sob estas condições que a lenhina é dissolvida isolando as fibras de celulose. Como produto deste processo, obtemos a pasta crua que passa por um processo de lavagem em tanques, peneiras e centrífugas, por forma a retirar todas as impurezas.
Neste ponto, a pasta crua extraída e limpa, pode ser utilizada diretamente na produção de papel kraft para produção, por exemplo, de embalagens. Em alternativa, a pasta crua pode seguir para a etapa de branqueamento, processo químico onde se utilizam agentes oxidantes, com o objetivo de eliminar a lenhina residual e os componentes que acompanham as fibras de celulose. O branqueamento ocorre em etapas sucessivas, obtendo-se, após cada etapa, pastas cada vez mais brancas, limpas e puras. O processo de branqueamento está altamente depende do cozimento e da matéria-prima, pois, quanto menor a quantidade de lenhina, menor será a necessidade dos reagentes de branqueamento. E neste ponto, o Eucalyptus globulus destaca-se uma vez mais das outras madeiras usadas no setor pela sua elevada branqueabilidade que permite a produção de um papel de altíssima qualidade e brancura.
Mediante o seu destino final, a venda para mercado ou a utilização direta em fábricas de produção integrada de pasta e papel, a pasta é submetida a diferentes processos. Para o primeiro caso, a pasta pode ser seca obtendo-se folhas de pasta (pasta em fardo) podendo ser posteriormente desagregada num desintegrador (pulper); no caso de fábricas com produção integrada de pasta e papel, a pasta é transferida na forma de suspensão aquosa (pasta nunca antes seca) através de uma conduta fechada (pipeline) diretamente para a fábrica de papel.Produção da pasta
Na fábrica de papel, seja pasta de fardo (após processamento no pulper) ou seja pasta nunca antes seca, a pasta é convenientemente diluída por forma a alimentar a máquina de papel com uma viscosidade específica. Na parte húmida, a pasta é levada para a chamada “caixa de chegada” que distribui - não só a uma velocidade constante e apropriada, mas também de uma forma regular, sobre uma “teia” rolante, onde é iniciada a sua transformação numa folha contínua, através da eliminação da água por ação combinada de gravidade e sucção com o vácuo. No final desta zona, a folha apresenta 80 a 85% de humidade. Na pré-secaria, a segunda zona da máquina de papel, continua a extração de água, por meio da combinação de compressão e vácuo atingindo-se uma humidade de 58 a 60%. Esta folha contínua de pasta passa por uma sequência de rolos de prensagem e secagem com ar quente atingindo o equilíbrio de humidade – geralmente, 90% de fibras e 10% de água, resultando uma folha lisa e compacta de grandes dimensões. No final da linha, o papel é recolhido no “enrolador” onde forma bobinas de grandes dimensões de onde resulta o jumbo. Um jumbo demora aproximadamente 60 minutos a ser feito e contém cerca de 80 toneladas de papel.
Transformação
O jumbo é, posteriormente, processado em bobinas mais pequenas, e convenientemente embaladas por forma a garantir que as mesmas estarão protegidas contra variações de humidade e sujidade, normais durante o movimento/transporte. Na transformação, estas bobines podem cortadas em folhas de grande formato (papel para utilização offset) destinadas à indústria gráfica, ou em folhas de formato reduzido (A4 e A3), para utilização em ambiente doméstico e de escritório. Ou, em alternativa, podem ser expedidas diretamente para clientes que as transformarão, por exemplo, em papel de carta, recibos...
Bioenergia e a circularidade do setor
A geração de energia é parte importante do processo de produção de pasta e papel, chegando mesmo a tornar estas áreas industriais autossuficientes energeticamente.
Se por um lado a biomassa residual é utilizada para a produção de energia elétrica, também o “licor negro” proveniente do processo de cozimento da madeira, e rico em lenhina, é utilizado para a produção de energia elétrica. A contribuição do setor de pasta e papel é tão importante que além da sua autossuficiência energética, cerca de 5% de toda a energia elétrica produzida em Portugal provém do processo térmico de combustão da biomassa florestal residual.
O aproveitamento da biomassa e licor negro traduz-se também num grande benefício ambiental, na diminuição da dependência de combustíveis fósseis importados, mas também através das reduções de emissões de CO2, tendo por isso forte impacto no balanço de emissões a nível nacional.
Mas o papel não representa o final desta cadeia de produção. Na verdade, por ser um produto natural, o papel é um bom aliado da floresta e pode ser devolvido à terra, reiniciando o seu ciclo. O papel pode ser utilizado desde a germinação de sementes, ou enraizamento de plantas, sendo por isso excelentes substitutos das bandejas e vasos de plástico, habitualmente utilizados. Após a geminação, podem ser colocados diretamente no solo, criando uma barreira protetora e respirável atrasando a fuga da humidade. O papel picado é também um excelente material para (mulching) retardando o crescimento de ervas daninhas melhorando, ao mesmo tempo, a fertilidade do solo.
Em Portugal, boa parte da produção florestal é promovida pela indústria de pasta e papel. Todos os anos, a indústria de pasta e papel planta mais árvores do que aquelas que colhe: uma média de cinco por cada uma utilizada para fazer papel, afirma a TAPPI – Technical Association of the Pulp & Paper Industry. Os números do relatório The State of The World’s Forest 2020, da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), confirmam que, entre 2015 e 2020, foram destruídos 10 milhões de hectares de floresta por ano, devido sobretudo à expansão agrícola (plantação de soja para alimentar a criação intensiva de gado e a agricultura local de subsistência). Por outro lado, a plantação de novas florestas foi crescendo, reduzindo o ritmo de perda de área total florestal: de 7,8 milhões de hectares/ano para 4,7 milhões. O setor de pasta e papel contribui, assim, para contrabalançar a tendência mundial de perda de floresta.Sobre o autor:
Técnica Superior de Investigação da Direção de Investigação e Consultoria Florestal,
RAIZ - Instituto de Investigação da Floresta e Papel
Contacto: nazare.almeida@thenavigatorcompany.com
Como citar:
Almeida, N. (2022) Da floresta ao papel. Dossier e-globulus.
RAIZ - Instituto de Investigação da Floresta e Papel. Disponível em: www.e-globulus.pt.
Referências bibliográficas
[1] https://www.celpa.pt/historia-do-papel/ (consultado a 08/09/2022
[2] The Navigator Company. Disponível em: http://www.thenavigatorcompany.com/. Acesso em: setembro 2022
[3] Relatório The State of The World's Forest 2020, da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) - https://www.fao.org/state-of-forests/en/